“A corrupção é inaceitável, mas não quebrou o Rio”

O ex-governador do Rio de Janeiro está preso – acaba de fazer um ano -, ex-secretários, cinco conselheiros do tribunal de contas afastados, crise financeira enorme, salários atrasados. A Assembléia Legislativa velha de guerra, em sessão extraordinária nesta sexta, 17, enfrentou o Judiciário e mandou soltar seus pares Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do PMDB. O Rio vive um pandemônio político-financeiro que parece não ter fim. Mas teve começo. Escrito pelo ex-secretário de Fazenda e também do Desenvolvimento Econômico do Estado, Julio Bueno, a quatro mãos com Jacqueline Farid, “Rio em transe: no núcleo da crise”, revela detalhes do processo paulatino de inviabilização das finanças do estado. Na mesma medida em que ocorria o comprometimento do seu tecido político. Nesta entrevista aos Divergentes, Bueno traz um ponto de vista, no mínimo, interessante.

A corrupção – comandada pelo PMDB do governador Sérgio Cabral – envergonhou o estado do Rio e levou a expressão mau exemplo a um novo patamar. Mas não quebrou o Rio.

Os desvios e fraudes bilionários praticados nos últimos anos a partir do Palácio Guanabara, por mais emblemáticos e espantosos que sejam, contabiliza ele, não chegam nem perto do buraco do estado. O Rio quebrou por imprevidência, decisões equivocadas – concessão de aumentos salariais, distribuição de incentivos tributários a rodo e não enfrentamento da crise previdenciária – e por um cenário externo que derrubou violentamente os preços do petróleo, comprometendo os royalties, morfina do orçamento estadual. O Rio quebrou porque a Petrobras quebrou. Por que o país quebrou.

Os Divergentes: O que lhe moveu a escrever “Rio em transe: no núcleo da crise”, lançado agora em um momento tão difícil do estado do Rio?

Julio Bueno: O livro é uma satisfação à sociedade. Pretende mostrar, sob o ponto de vista de quem estava dentro da crise, os problemas que tivemos e, claro, as causas da crise. De um lado, a dificuldade em comunicar a crise, fazê-la ser compreendida pela mídia. De outro, discutimos as causas econômicas. E não foi uma causa, foram muitas. Incentivos tributários, dependência dos royalties do petróleo, aumentos salariais, endividamento excessivo, falta de saneamento da previdência pública…

OD: Era possível prever e evitar chegar onde chegamos?

JB: O Estado quebraria de qualquer jeito. Primeiro por causa de uma inacreditável redução de arrecadação, que veio com a quebra do próprio Brasil. Nossa sofisticada rede de indústrias, petroquímica, naval, siderúrgica, foi pro brejo. A arrecadação de ICMS teve uma queda estonteante. Junto com isso, os royalties do petróleo, um pedaço importante da composição da receita do Rio, despencaram com a queda vertiginosa do preço do barril. E nesse ponto foi impactante a inação da Petrobras. A parada na Petrobras fez um mal terrível na economia do Rio de Janeiro.

OD: O sr. está dizendo, indiretamente, que a Lava Jato, com suas investigações quase paralisando a Petrobras e comprometendo seus dirigentes, fez mal ao Rio?

JB: Não. A Petrobras parou por vários motivos, e a Lava Jato foi um deles. Muito mais importante que a Lava Jato, do ponto de vista econômico, é que a Petrobras quebrou. E quebrou por causa da politica de preços do governo Dilma.

OD: Até que ponto a roubalheira quase generalizada no Rio – com um governador preso, outro investigado, judiciário e legislativo comprometidos – influenciou na derrocada do estado?

JB: É inaceitável, injustificável, a utilização corrupta do dinheiro público. Para um país pobre e carente como o Brasil, cada vez que se tira um real, de forma ilegal, da conta pública, você está lesando os desvalidos. Tem que botar todo mundo em cana e a Justiça pra julgar. Mas quanto é a corrupção? Qual o valor da corrupção? Se somar tudo, vamos dizer que dê 3 bilhões de reais (de desvios). Só em 2016, o déficit do governo federal foi de 20 bilhões. Muitas grandezas maior que o dinheiro desviado.

OD: Ou seja, a corrupção é inaceitável, mas não foi ela que quebrou o Rio, é isso?

JB: Não foi ela que quebrou o Rio, é isso. É inaceitável, tem que ir em cana todo mundo, ninguém está discutindo isso. Olha, vamos pegar Minas e Rio Grande do Sul, sair um pouco do Rio. Em Minas, os governos do Aécio (Neves) e do (Antonio) Anastasia, do PSDB, eram apontados pelos acadêmicos como os melhores. Choque de gestão. Quebrou, meu camarada. Quebrou na mão do cara do PT, que é o Fernando Pimentel. Agora pegue o Rio Grande do Sul, que vem quebrado há muitos anos. Olívio Dutra, Tarso Genro, Yeda Crusius, agora o pobre do (José Ivo) Sartori. E não se reelegem! O estado está quebrado. Tem uma questão estrutural na área pública brasileira a ser resolvida.

OD: O sr. já foi chamado à Justiça para depor como testemunha de defesa do ex-governador Cabral. Como todo mundo que trabalhou no governo do estado durante alguns anos, em mais de uma pasta, o sr. teve possibilidade de conviver com um nível de intimidade que os mortais aqui não tiveram. O sr. nunca suspeitou em nenhum momento como secretário, nunca ouviu, nunca passou debaixo do seu nariz, o governador pessoalmente ou um de seus assessores próximos, nunca insinuou nada que pudesse levar o sr. a achar que estava trabalhando num governo corrupto?

JB: Essa questão vem sendo frequentemente perguntada pra mim. O time econômico do governo era de primeira qualidade – Joaquim Levy (Fazenda), Sérgio Rui Barbosa (Planejamento) e eu (Desenvolvimento Econômico). Eramos – não gosto dessa expressão, mas vou usar – blindados desse tipo de coisa. Nunca fomos indicados por partido nenhum. Nunca nos envolvemos com essas questões. Nunca mexemos em licitação. Só orçamento, arrecadação, atração de empresas. Com a gente nunca teve nenhuma conversa. Nenhuma. Nunca fomos envolvidos, nem nos envolvemos com essas questões que nos dão uma tristeza inominável. E uma grande decepção.

OD: Num andar, a equipe econômica trabalhando, e no outro andar travava-se, literalmente o roubo do estado… Como a sociedade vai lidar com isso daqui pra frente? Tem saída?

JB: Essa sua pergunta, vou responder como cidadão. Na verdade, a sociedade tem responsabilidade em quem deposita o voto. A renovação política do Rio de Janeiro é uma necessidade. A sociedade precisa votar com sapiência, inteligência, se informando, discutindo, isso é essencial. Chegamos num nível inaceitável. A sociedade precisa votar, cada vez mais, de forma responsável.

Áudio de Julio Bueno

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