O Rio da malandragem nostálgica e o Rio do crime organizado

Castor e neto desfilam com as cores da Mocidade de Padre Miguel no carnaval da Avenida Sapucaí - Foto Orlando Brito

Em qualquer cidade do mundo acontecem crimes. Evidentemente numas mais que em outras. Não seria diferente com o Rio de Janeiro. Mas no Rio houve uma época em que crime era uma coisa e malandragem era outra coisa. O jogo-do-bicho talvez tenha sido o retrato desses tempos. Os bicheiros, que representavam a contravenção carioca foram vencidos pelos traficantes de drogas e armas, envolvidos com o crime pesado.

O que era, para muita gente, somente uma característica “glamourosa e nostálgica” do Rio transformou-se nas últimas décadas em realidade de feroz violência e incontrolável criminalidade. A tal ponto que hoje chegou o momento de o governo federal decretar intervenção na segurança pública da Cidade Maravilhosa, com uso das Forças Armadas para conter o crime organizado.

Castor de Andrade foi das figuras mais famosas da cena carioca. Seu negócio era o jogo-do-bicho. Foi também presidente do Bangu Futebol Clube. Na verdade, dono. Comprava jogador, vendia, escalava o time e até entrava no campo para defendê-lo, como fez certa vez num jogo contra o América, em pleno Maracanã.

Ao ver o juiz marcar um pênalti contra sua equipe, não teve dúvida. Adentrou o gramado de revólver em punho e sugeriu ao árbitro que apitasse outro a seu favor. O Bangu ganhou a partida com um gol de pênalti. Além dos jogos, outra paixão de Castor era o samba.

Foi patrono da Mocidade Independente de Padre Miguel, campeã por cinco vezes no período em que ele determinava tudo na escola. Assim como no Bangu, na Mocidade ele também entrava em campo. Aliás, na passarela. Vestido de verde e branco, as cores da escola, desfilava como passista no sambódromo.

No ano de 1989, o samba-enredo da Mocidade era uma ode à contravenção, “Mamãe eu quero Manaus”. Veja só a letra:

Me leva mamãe
Me leva, nessa viagem tão legal
Eu quero, mamãe eu quero
Mamãe eu quero Manaus
Muamba, Zona Franca e Carnaval
Viajando país afora caminhei (caminhei)
Num mar negro de astúcia
Eu naveguei
Caí num mundo de aventuras
Meu Dom de muambeiro despertei

Tem muamba, cordão de ouro,
Chapéu, anel de bamba (bis)
Bagulho bom é no terreiro do meu samba

Meu bisavô é quem fazia
A cabeça do freguês (do freguês)
Coisas que vovó gostava
Tapete persa e azulejo português
E na banca do meu tio
Havia o puro uísque escocês
E o cheirinho da titia era francês

Paga um, leva dois, alô quem vai
Tô baseado na idéia do papai (bis)

Sou muambeiro
Meu tabuleiro tem tabaco e tem bebida
E no carnaval sou batuqueiro (bis)
Com a Mocidade na avenida

O império de Castor de Andrade começou a ruir quando a juíza Denise Frossard determinou a prisão dele e de outros treze chefões da contravenção no Rio. No carnaval de 1993, Emiliano Castor fez um audacioso desafio à Justiça. Com a transmissão ao vivo pela TV no início do desfile na Sapucaí, discursou condenando a perseguição aos bicheiros. No ano seguinte, o procurador Antonio Carlos Biscaia autorizou a invasão da fortaleza de dono das bancas de jogo-do-bicho. Foram encontrados documentos que levaram a condenação dele e de vários de seus colaboradores.

Preso, Andrade transformou as celas em suítes de hotel cinco estrelas. Mandou instalar ar refrigerado, colocar televisão a cores, frigobar, fazia jantares regados a champagne e caviar.

Com problemas cardíacos, Castor de Andrade conseguiu prisão domiciliar e e voltou para seu apartamento da Avenida Atlântica. mo Leme, de frente para o mar. Morreu numa tarde de março de 1997, aos 71 anos, após sentir-se mal quando jogava cartas na casa de um compadre no Leblon. Foi levado para o hospital, mas não resistiu.

Orlando Brito

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